Biodiversidade e saúde humana
Quando a relação do Homem com a Natureza é harmoniosa, ela é o principal fator e aliado da saúde humana. Mas quando a relação é conflituosa, o resultado é a degradação da Natureza, o que por sua vez causa um grande número de doenças e epidemias nacionais, regionais e mundiais. Muitas dessas doenças são zoonóticas, isto é têm origem em animais selvagens ou domésticos. Constituem mais de 70% das doenças humanas. É o caso, por exemplo, de Covid-19, ébola, SIDA, carbúnculo, raiva canina, lepra e doenças causadas por diferentes espécies de mosquitos (paludismo, febre amarela, elefantíase, zika, dengue e outras).
Os agentes patogénicos podem ser transmitidos ao Homem por primatas não-humanos (macacos, chimpanzés…) e outros mamíferos (morcegos), ruminantes, aves, animais de companhia e outros animais infetados. Esses animais contaminados podem estar doentes ou não. A transmissão da doença ao Homem faz-se através da pele, saliva, carne, leite, sangue, respiração, secreções, excrementos,picadas/mordeduras de animais, água, ar, solo e objetos contaminados, etc. Em certas doenças e epidemias, após a fase de contaminação animal-ser humano, a transmissão faz-se de ser humano a ser humano.
Não é segredo que a exploração das nossas florestas é feita de modo desordenado e massivo. A Guiné-Bissau é um dos países com o maior índice anual de desflorestação. Apesar disso, persiste o mito de que a Guiné-Bissau dispõe de vastas superfícies de terras aráveis não utilizadas. Ora, o aumento das superfícies agrícolas terá como consequência uma maior fragmentação e degradação do habitat natural, a intensificação do contato da fauna selvagem com populações humanas e o consequente aumento dos riscos zoonóticos. A tensão entre a necessidade da preservação da biodiversidade e a prática da desflorestação no continente, nas ilhas e nas zonas costeiras é real, palpável e crescente. Veja-se por exemplo a destruição do mangal à volta de Bissau para a construção de casas de habitação e empresas nas terras baixas. Está-se a destruir rapidamente a única proteção contra a erosão costeira e a criar condições para graves inundações. Estas serão a consequência da combinação da elevação do nível das águas do Oceano Atlântico com fenómenos pluviométricos extremos no quadro das alterações climáticas. Assistiremos então, cedo ou tarde, a acidentes graves, surgimento de doenças e perda de vidas humanas.
Além da ignorância e incompetência relativamente ao impacto negativo da degradação da biodiversidade sobre a saúde humana e a economia, o que está sobretudo em causa são os interesses egoístas e mesquinhos de muitos promotores e empreendedores. Eles não hesitam em violar as leis ambientais, incluindo as relativas às áreas protegidas, cientes da sua impunidade. Essas práticas são inimigas declaradas da biodiversidade e dos benefícios que ela traz à saúde ambiental, animal e humana, à economia local e nacional, e à Sociedade no seu todo.
A preservação da biodiversidade contribui para a prevenção não só de doenças infeciosas mas também de doenças resultantes da má alimentação e nutrição e que tomam frequentemente formas graves no nosso país. A biodiversidade é uma base essencial da conservação da capacidade reprodutiva dos recursos naturais e da produção sustentável de alimentos saudáveis e acessíveis.
A biodversidade fornece igualmente plantas medicinais utilizadas na prevenção e no tratamento de um grande número de doenças. Na hora atual, as plantas medicinais estão gravemente ameaçadas pelas sobre exploração, queimadas e a desflorestação descontrolada. O seu impacto negativo é a privação do acesso ao tratamento tradicional pela maioria da população guineense e do tratamento de patologias no qual a medicina natural tem demonstrado a sua eficácia, senão mesmo a sua vantagem. Não se pode ignorar que a degradação ou extinção de plantas medicinais priva também a indústria farmacêutica dos princípios ativos de vários medicamentos. A conservação in situ das plantas medicinais é uma necessidade e pode ter pelo menos três vertentes: combate às queimadas e desflorestações massivas e desordenadas, proteção de nichos ecológicos específicos e cultura de plantas medicinais. Neste último caso, a observação, o estudo, a seleção e a experimentação poderão conduzir a médio ou longo prazo à domesticação e à cultura de um certo número de plantas medicinais hoje espontâneas. Neste contexto, é perfeitamente louvável a iniciativa da Cáritas Guiné-Bissau.
É pertinente discutir, embora brevemente, a ligação entre a urbanização e a biodiversidade. A população guineense é cada vez mais urbana e será dentro de pouco tempo a maioria. A urbanização é um fenómeno que pode ser planificado e canalizado, com o objetivo de proteger a biodiversidade e a saúde pública e, ao mesmo tempo, estimular um crescimento económico equilibrado e harmonioso. É urgente começar a construir alternativas ao crescimento caótico de Bissau e dos seus arredores, responsável pela destruição sistemática dos seus espaços verdes e pela poluição do ar, da água e dos solos. A concentração da população de Bissau (40% da população total do país) em casas e bairros exíguos e mal arejados, e a existência de mercados e meios de transporte superlotados são fatores suplementares de risco em situações de epidemias. É evidente que se pode melhorar estas circunstâncias na cidade e arredores de Bissau. No entanto, uma alternativa mais potente e eficaz seria o desenvolvimento de centros urbanos secundários que, dotados de emprego e outras oportunidades económicas e de melhoria real das condições de vida, poderão reduzir a pressão demográfica e ambiental sobre a capital. Ofereceriam um maior espaço público e privado à população e estariam em condições de dedicar uma atenção especial à conservação da biodiversidade e do habitat natural e à prevenção de doenças humanas de origem ambiental e animal.
Finalmente, a conservação da biodiversidade pode jogar um outro papel na saúde pública. Parques, zonas verdes, jardins, passeios arborizados, etc. bem concebidos e conservados, asseados, bonitos e agradáveis ajudam a criar um ambiente descontraído e anti-stress, melhoram o sentimento de bem estar e contribuem para a elevação cultural e espiritual dos habitantes.
Substituir a nossa relação conflituosa atual com a Natureza por uma relação harmoniosa implica compreender e tratar a biodiversidade como um aliado na luta constante para melhorar a saúde humana. Este deve ser um objetivo ambiental explícito e deve ser colocado no centro da nossa visão do futuro.
José Filipe Fonseca – Guiné-Bissau, 22 de Maio de 2020 – Dia Internacional da Biodiversidade “Nossas soluções estão na natureza”