Arroz Negro. As origens africanas do cultivo do arroz nas Américas
Por: Judith Carney
Livro traduzido para o português por José Filipe Fonseca, em colaboração com Gaston Fonseca, Ernesto Fonseca e Nivaldina Fernandes Fonseca.
A obra monumental Arroz Negro, de Judith Carney marca uma ruptura fundamental com a historiografia colonial e ocidental que atribui a domesticação do arroz à Ásia e afirma que o arroz foi introduzido em África por europeus, nomeadamente portugueses, negando assim aos africanos qualquer protoganismo no estabelecimento dessa cultura nas Américas. Segundo a narrativa então dominante, os escravos africanos que cultivavam o arroz nas Américas, da Carolina do Sul nos Estados Unidos a Maranhão no Brasil, passando pelas Caraibas, México, Suriname, Guiana e outros países, pouco mais fizeram do que empregar a força muscular bruta, sob a orientação competente dos proprietários das plantações. Nas suas memórias, os colonos europeus atribuíram o mérito da cultura do arroz nas zonas húmidas ao seu próprio talento e inventividade apesar de não terem nenhuma experiência prévia nesse domínio. Trata-se obviamente de uma distorção deliberada que visava eliminar o papel do africano como actor consciente de civilização, tanto é que a domesticação das plantas afigurava-se justamente como um elemento essencial dessa valorização civilizatória.
Hoje, contudo, os avanços da Ciência, tanto da genética como da botânica, etnobotância, história ou ainda geografia não deixam dúvidas quanto à domesticação separada de duas espécies botânicas do arroz: uma na Ásia (Oryza sativa) e outra em África (Oryza glaberrima). Na realidade, antes do Black Rice nenhuma outra obra tinha expandido as fronteiras das ciências para apresentar um corpo único de evidências acerca do papel absolutamente determinante dos escravos africanos na origem da orizicultura americana. Em África, afinal, o arroz já havia sido domesticado há aproximadamente 3500 anos, no delta interior do Rio Niger no Mali, isto é, trinta séculos antes da chegada dos europeus à África Ocidental. O delta interior do Niger é assim o centro primário de domesticação de Oryza glaberrima secundando-lhe dois outros centros de domesticação: um entre o Rio Casamance no Senegal e o Rio Cacheu na Guiné-Bissau e, ainda um outro, nos planaltos da fronteira da Guiné-Conakry com a Serra Leoa e a Libéria.
Foram os orizicultores da então chamada Costa do Arroz na África Ocidental que levaram as sementes e as tecnologias de produção e descasque do arroz para as Américas durante a sua emigração forçada através da Passagem do Meio. Para os escravos africanos embarcados nos navios negreiros, o arroz era muito mais do que um simples alimento, como explica a Professora Judith Carney. O arroz era a sua sobrevivência em muitas partes de África, nas plantações e nos quilombos do Novo Mundo. Era uma parte essencial da sua cultura e da sua identidade, um elemento da sua ligação com a Natureza, um elo de família e da comunidade. Graças ao trabalho e aos conhecimentos dos escravos africanos, o arroz passou a ser cutivado nas Américas e foi o primeiro produto alimentar a ser exportado em grande escala para os mercados mundiais. Assim, a História do arroz nas Américas é uma parte essencial da História da escravatura, da História da África, da História da diáspora e, simplesmente, da História da própria Humanidade.