Arroz, escravos guineenses e gastronomia brasileira

O prato mais popular do Maranhão, Brasil, é o arroz de cuxá, também conhecido por caruru da Guiné. Se a última designação aponta claramente para as suas origens, não é o caso de arroz de cuxá para a grande maioria dos maranhenses e dos brasileiros e mesmo dos guineenses e outros africanos que não têm noção da língua mandinga. O historiador norte-americano Walter Hawthorne estudou detalhadamente a influência dos escravos guineenses na cultura e identidade brasileiras, entre os séculos XVII e XIX, e não tem dúvidas de que o termo cuxá provém da Guiné-Bissau. Num livro publicado em 2001 e totalmente dedicado às relações históricas entre a Guiné-Bissau e Maranhão, Hawthorne explica que cuxá, um dos principais ingredientes do prato que leva o seu nome, não é uma palavra portuguesa, sendo “muito provavelmente de origem mandinga.”
Os quilombolas brasileiros (descendentes de escravos africanos) que visitaram Cacheu há uns anos atrás, ficaram admirados quando descobriram que cuxá tinham o mesmo significado que kutxá em mandinga. Na verdade, cuxá ou kutxá é o nosso baguitche nacional, cujo nome cientifico é Hibiscus saddariffa. Muitos escravos africanos no Brasil eram mandingas.
Hawthorne fala também de outros pratos maranhenses e da maneira como são preparados e servidos, o que indica claramente a influência de escravos. É o caso do arroz de caranguejo. A agrónoma guineense Isabel Miranda (Beloca), conhecedora da gastronomia guineense, pensa que esse caranguejo é na realidade o nosso cacre, muito frequente nas zonas de mangal e nos arrozais. O outro prato é moqueca de peixe, à base de óleo de palma. Foram as escravas guineenses que preparavam esses pratos, que ensinaram depois aos outros povos.
Os africanos levaram sementes de arroz e um sistema completo de conhecimentos e tecnologias do seu cultivo, descasque e uso. Nas duas margens da Passagem do Meio (Oceano Atlântico), o arroz era alimento, cultura e identidade. Recentemente, foi descoberta no Brasil uma estatueta da Deusa Nimba, a deusa da fertilidade. Foi a primeira encontrada em território americano. Para o pesquisador Édison Hüttner, da Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a estatueta é de origem baga/nalu (Guiné-Conakry/Guiné-Bissau). Afirma: “A Deusa Nimba era cultuada pela Sociedade Secreta Cimo, nas festas da semeadora e colheita do arroz vermelho (Oryza glaberrima). Este arroz foi plantado no Maranhão e Bahia”.
O arroz, o baguitche e a palmeira de óleo, assim como o quiabo, o café, o sorgo, o milheto, o inhame, o feijão frade, a noz de cola, o tamarindo e várias outras plantas foram domesticados em África. Foram os escravos africanos que, através da sua emigração forçada, introduziram a sua cultura em vários países das Américas.
José Filipe Fonseca